Retirado do site - vivaitabira.com.br
Esta semana li um artigo
interessante sobre uma pesquisa realizada nas grandes capitais brasileiras. O
título do texto era “Problemas ambientais não fazem parte da realidade dos
brasileiros” e, a partir daí, o autor apresentou o resultado da pesquisa realizada
pela Market Analysis em 8 capitais brasileiras no ano de 2005. Eram duas
tabelas, na primeira estavam as respostas para a pergunta sobre qual seriedade
os entrevistados atribuíam para uma série de problemas ambientais citados. Na
segunda, de forma espontânea, o público era convidado a responder “qual é o
problema mais importante que o mundo enfrenta hoje?”
As respostas à primeira pergunta
o público julgou como “muito sério” a maioria dos problemas ambientais citados,
como poluição das águas e do ar, mudanças climáticas, etc. Na segunda pergunta,
quando questionado sobre os principais problemas do mundo, o público apontou
insegurança, corrupção, pobreza, miséria, desigualdade social, desemprego e, em
sexto lugar, a crise ambiental. Diante desses resultados, o autor concluiu que
os brasileiros não se preocupam com a questão ambiental, porque nas citações
ela aparece em penúltimo lugar.
Entendo que há um equívoco e uma
precipitação nesta interpretação. Em pleno século XXI já não podemos nos dar ao
luxo de dissociar problemas sociais de problemas ambientais. Não é possível
considerar os problemas ambientais como uma categoria de problemas sociais.
Meio ambiente, numa acepção bem simplista, é onde vive a sociedade, ou seja
todo problema social é um problema ambiental. O erro está em tentar separar as
duas coisas.
O equívoco está presente na
interpretação dos dados apurados na pesquisa. O brasileiro preocupa-se sim com
a questão ambiental, mesmo que ainda não consiga identificar claramente que
insegurança, corrupção, pobreza, miséria, desigualdade social e
desemprego são problemas ambientais. Vivemos em um mundo que sustenta-se em
ciclos, tudo é interdependente e o todo sempre é afetado pelos movimentos de
cada parte. Os problemas, sejam eles econômicos, sociais, raciais,
territoriais, religiosos ou qualquer outro, são problemas ambientais porque
afetam nosso meio ambiente.
Se formos analisar, por exemplo,
a questão da fome, veremos que é impossível tratar da questão sem enxergar o
macro cenário ambiental, incluindo economia, sociedade, poluição, contaminação,
etc. Produzir alimentos é uma atividade que exige recursos tecnológicos,
econômicos, humanos e naturais, em suma, envolve todo o meio ambiente.
Infelizmente ainda não temos habilidade suficiente para pensar e agir com
sustentabilidade no desenvolvimento econômico. Por isso gostamos tanto de
separar problemas sociais de problemas ambientais. Como consideramos que a fome
é um problema “apenas social”, vale tudo para produzir mais alimentos,
inclusive poluir e degradar o meio ambiente. O mesmo acontece com o desemprego,
a insegurança pública e outros ditos “problemas sociais”
Pensar nesta questões como
problemas ambientais faz toda a diferença. Na questão da fome por exemplo:
enormes extensões de terra são utilizadas para produzir bilhões de toneladas de
alimento, com milhões de toneladas de veneno químico e adubos. Este
procedimento altera o ecossistema local, provoca desmatamento, extinção da
fauna e flora local, contaminação dos mananciais, proliferação de pragas cada
dia mais resistentes aos agrotóxicos. E mesmo assim não resolve o problema da
fome no mundo. Não estou propondo o fim da agricultura industrial. Sei da
importância dessa atividade econômica para o mundo, os milhões de empregos
gerados, os avanços tecnológicos alcançados e os benefícios.
Entendendo a fome como uma
questão ambiental estratégica, podemos olhar para a realidade dentro de uma
visão holística e comprometida com a sustentabilidade. A fome acentua as
desigualdades sociais e, infelizmente, é utilizada como instrumento de
dominação política. É possível utilizar os recursos naturais com mais inteligência
e produzir mais alimentos com menores custos e menos impactos ao meio ambiente.
Investir nas próprias comunidades que sofrem as dificuldades e buscar utilizar
de forma sustentável os recursos tecnológicos, financeiros, humanos e naturais.
Pode parecer uma utopia, mas não é.
A idéia é repensar a
questão da fome como um problema ambiental: estimular a produção de alimentos o
mais próximo possível dos consumidores para evitar gastos desnecessários com
transporte; utilizar menos agrotóxicos e sistemas de irrigação mais eficientes;
resgatar cultivares mais adaptados a cada região e valorizar a culinária local;
fomentar a agricultura orgânica e controle natural de pragas; utilizar a
educação ambiental como fator de conscientização e ferramenta de desenvolvimento;
criar incentivos para o trabalho agrícola com adoção de novas técnicas e
financiamentos; investir na formação de mercados mundiais reguladores de
alimentos para enfrentar as adversidades naturais; repensar a agricultura para
gerar menos impactos negativos; produzir respeitando a cultura e o saber fazer
local das comunidades e respeitar a vocação dos povos.
Pode parecer um retrocesso ou um
contra senso, mas é a forma mais sustentável de resolver o problema da fome. E
isso se aplica a todos os outros problemas ditos “sociais”. Sob o olhar
ambiental, as soluções são planejadas de forma sustentável, interdependentes e
comprometidas com o equilíbrio. Fome, desemprego, insegurança e crises são
problemas interligados e que tem um mesmo alvo: nós mesmos. Não dá mais para
buscarmos soluções isoladas para cada um, é necessário uma visão ambiental.
Viver na Terra não pode ser um
ato egoísta, somos mais de 6 bilhões de pessoas. Todos com os mesmos direitos,
mas infelizmente, sem as mesmas oportunidades. Nossa responsabilidade cresce na
medida que os problemas aumentam. É a tal da cidadania ecológica, lembra?